segunda-feira, 5 de janeiro de 2015

PROJETO VIOLETA ACELERA LEI MARIA DA PENHA NO RIO

Vítimas de violência são atendidas em até 4 horas; Brasil é o 7.º no mundo em assassinato de mulheres

Por Julia Affonso
A violência contra a mulher tem um inimigo de peso no Rio. O projeto Violeta criado pela juíza Adriana Ramos de Mello, do 1º Juizado de Violência Doméstica contra a Mulher, em junho de 2013, integrou 12 delegacias da capital fluminense, Defensoria Pública, Ministério Público do Estado e Tribunal de Justiça e deu rapidez à Lei Maria da Penha.
Em cerca de 1 ano e meio de funcionamento, mais de 500 mulheres foram atendidas no 1º Juizado. Após o registro de agressão ou ameaça, a Lei Maria da Penha prevê que o juiz tem 48 horas para tomar uma decisão. “Esse prazo é muito largo para quem está sofrendo. O Brasil é o 7º no mundo em assassinato de mulheres. O País tem essa escala enorme de violência contra a mulheres”, afirma a juíza.
A juíza Adriana Ramos de Mello está à frente do Violeta. Foto: Marco Zaoboni.
A juíza Adriana Ramos de Mello está à frente do Violeta. Foto: Marco Zaoboni.
No Violeta, todo o processo deve ser concluído em cerca de quatro horas. A vitima registra o caso na delegacia, que encaminha de imediato para averiguação do juiz, após escuta do testemunho por uma equipe multidisciplinar do Juizado e a mulher sai com uma decisão judicial em mãos. O projeto foi vencedor do Prêmio Innovare na categoria juiz.
Dados de março de 2013, do Senado Federal, indicam que mais de 13 milhões e 500 mil mulheres já sofreram algum tipo de agressão – 19% da população feminina com 16 anos ou mais. Destas, 31% ainda convivem com o agressor: 14% ainda sofrem algum tipo de violência. Este resultado, expandido para a população brasileira, implica em dizer que 700 mil brasileiras continuam sendo alvo de agressões.
ESTADÃO: Como as mulheres atendidas têm visto o projeto?
ADRIANA RAMOS DE MELLO: Elas têm se sentido acolhidas. É um acesso rápido à Justiça, sem burocracia. A Lei Maria da Penha prevê que o juiz tem 48 horas para decidir. Esse prazo é muito largo para quem está sofrendo. O Brasil é o 7º no mundo em assassinato de mulheres. O País tem essa escala enorme de violência contra a mulheres. É um fenômeno que ainda não está sendo muito discutido, precisa de ações efetivas. Principalmente as mulheres carentes, que não podem ter advogado particular, não sabem o mecanismo judicial, como funciona o sistema penal. O projeto prevê toda a informação e o acompanhamento durante todo o processo.
O projeto já atendeu a mais de 500 mulheres desde junho de 2013. Foto: Marco Zaoboni.
O projeto já atendeu a mais de 500 mulheres desde junho de 2013. Foto: Marco Zaoboni.
ESTADÃO: Quando surgiu o projeto?
ADRIANA: Em junho de 2013. A gente verificou que muitas mulheres iam para casa, ficavam aguardando uma decisão (judicial) e voltavam a ser violentadas. Na delegacia, ao registrar (a ocorrência), o delegado encaminha diretamente a mulher para o 1º Juizado. Quando ela chega, o protocolo é acionado, o registro da ocorrência é autuado na Justiça de forma imediata. Ela é atendida por uma equipe técnica com psicólogo, assistente social e recebe uma tarja violeta no processo. A partir daí, esse processo tem que andar de forma rápida, porque essa mulher está em situação de risco. Ela preenche um formulário com a equipe do Violeta, a Defensoria Pública dá orientação jurídica, imediatamente a juíza atende e é proferida uma decisão de medida protetiva de urgência. Ela sai da Justiça com a decisão em mãos. Os oficiais já vão cumprir. Por exemplo, afasta o homem de casa até que ela chegue ao local, para evitar o contato. Ela é reconduzida ao lar de forma tranquila, para que possa viver em paz, principalmente no momento em que a violência acabou de acontecer. É uma efetividade da Lei Maria da Penha.
Mulheres são atendidas em sala especial. Foto: Marco Zaoboni.
Mulheres são atendidas em sala especial. Foto: Marco Zaoboni.
ESTADÃO: As mulheres costumam procurar a Justiça depois da primeira agressão?
ADRIANA: A gente observa que muitas mulheres já vêm sofrendo com a violência há algum tempo. Num primeiro momento, há uma resistência de se ver como vítima, muitas não se identificam. Elas tendem a dar uma desculpa para o agressor: ‘Não vou registrar, porque é pai dos meus filhos, sustenta a casa, é um bom pai. Ele é um homem de família, estava nervoso”. As mulheres tentam desculpar aquela situação. A violência é um ciclo, não começa do nada e vai para uma agressão física. Primeiro tem uma agressão verbal, uma discussão mais acalorada e vai passando para a agressão física. Em seguida, vem o pedido de desculpas, geralmente, por parte do homem. Ela tende a aceitar. Esse ciclo em muitas mulheres se repete durante 7, 8 anos até ela se identificar como vítima. É muito grave, uma situação muito difícil. Imagina você estar dentro de casa e ser agredida por uma pessoa que você conhece, teve uma relação afetiva. Muitas mulheres relatam ainda sentir amor pelo homem que a agride. Esse sentimento fica abalado e ela sente que tem que romper aquilo, sair do lar e falar isso para uma pessoa que ela nunca viu na vida. Até chegar a uma delegacia, ela tem que passar várias barreiras internas e externas. Quando ela chega a relatar isso, é porque a situação está muito complicada. E ela não sabe o que vai acontecer, se ele vai ser preso ou não. O projeto entra para dar essa informação, orientação e acolhida de forma humana, como se dissesse: ‘Você fez bem em denunciar, porque ninguém tem que viver uma vida com agressão. Você tem direito a uma vida livre de violência’.
ESTADÃO: Qual o reflexo do projeto no agressor?
ADRIANA: O medo da prisão para ele é muito grande. Se descumprir a ordem judicial, ele pode ter a prisão preventiva decretada, com base na lei Maria da Penha. O agressor de mulher é um criminoso como qualquer outro, como o que rouba, o traficante. Ele está submetido às leis brasileiras penais e processuais. As consequências são a pena de prisão. Esse temor da prisão surte um efeito interessante. Tem feito com que muitos homens reflitam e cumpram as ordens judiciais de afastamento por medo da prisão.
ESTADÃO: Por que a escolha deste nome?
ADRIANA: A cor violeta tem um significado interessante de transformação. Além de representar os hematomas da mulher, o roxo que vem com o sentimento de sofrimento, a cor traz um sentido de transformação em sujeito de direito, é feminina, de sensibilidade, de compaixão. A sala é violeta, tem flores, tem brinquedoteca para as crianças, um ambiente apropriado para elas. Aqui é um lugar que eu posso exercer minha cidadania.
Processos do Violeta são identificados com pela cor. Foto: Marco Zaoboni.
Processos são identificados com uma tarja da cor violeta. Foto: Marco Zaoboni.

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